RESPEITO,
NÃO TOLERÂNCIA RELIGIOSA!
Rosivalda
dos Santos Barreto
O
título desse texto pode ser polêmico, mas explicarei no decorrer
dos parágrafos o ponto onde quero chegar! Objetivo aqui relatar
dados da pesquisa da professora Dra. Stela Guedes Caputo, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, no que toca ao racismo
antinegro. Ao desrespeito religioso no ambiente escolar e como
professores e escola participam do racismo antinegro. Esse crime é
cometido contra as pessoas negras e brancas devotas do candomblé. A
pesquisadora aponta a necessidade que as crianças têm de omitir,
dissimular ou mentir para se proteger contra os ataques racistas que
as atingem diretamente numa das coisas que elas mais amam, a sua
religião!
A
professora Dra. Stela Guedes, no início da década de 1990 buscou
temas para redigir uma matéria em Mesquita, Baixada Fluminense. A
matéria se intitulou ‘Os netos de santo’, foi originada no
Terreiro da Mãe Palmira. Nesse terreiro a pesquisadora encontrou o
candomblé e se surpreendeu com a presença de um ogan que tocava os
atabaques, uma criança do sexo masculino, branca, com idade de 4
anos. Pergunto-me, o que surpreendeu a educadora, o fato de ser a
criança branca atuando numa religião de negros ou a idade da
criança?
A
professora declara que ficou encantada por que não sabia que no
candomblé crianças também poderiam ser devotas. Novamente
pergunto, crianças podem ser devotas nas igrejas Assembleia de Deus,
Universal do Reino de Deus, Testemunhas de Jeová, Católica,
Batista? Por que as pessoas não se surpreendem com a presença de
crianças nas religiões judaico-cristãs? Depois de ver que crianças
também têm direito de serem adeptas do candomblé, a pesquisadora
fez uma grande investigação que resultou nos seus estudos de
mestrado e doutoramento. Desses estudos foi publicado o livro
‘Educação nos terreiros’. O campo de sua pesquisa foram os
terreiros de Mãe Beata, Mãe Palmira e Mãe Regina, na Baixada
Fluminense e no culto aos Eguns, de Pai Lelson, em Belford Roxo.
O
resultado da pesquisa apontou o ambiente de terreiro como espaço
educativo. Nele as crianças aprendem e conhecem sobre mitos, ervas,
culinária, hierarquia, língua ioruba, música, toque dos
instrumentos musicais representados nos atabaques. Dentre estas
coisas exibem o orgulho de professarem o candomblé, no entanto elas
enfrentam o crime do racismo na escola. O ambiente escolar explicita
a perpetração do racismo antinegro. Nele para se defenderem dos
ataques racistas, as crianças se declaram católicas. Ao que a
professora menciona que elas
utilizam estratégias de proteção, inventam
doenças, por que tem de raspar a cabeça e usar branco, até que
contraíram leucemia ou outra doença para esconder o período que
permanecem reclusas por conta de sua iniciação. A Dra. Estela
Guedes alude ser essa tática estratégias de sofrimento por que as
crianças são impelidas a esconder o que amam.
O
desrespeito á religião afro-brasileira é racismo antinegro e é
importante então que saibamos distinguir o que vem a ser
preconceito, discriminação racial, racismo, racismo antinegro e
etnocentrismo. Entender esses conceito nos habilita a não minimizar
o racismo nem a discriminação, mas nos informa que as crianças
brancas são discriminadas por serem de candomblé, uma religião de
matriz africana. As crianças negras sofrem de racismo antinegro, são
rechaçadas por serem candomblecistas e pelo seu fenótipo: cor da
pele, cabelos crespos, lábios, intelectualidade entre outros
atributos que as inferiorizam diante dos demais.
O
preconceito é segundo o dicionário Aurélio é,
1.
Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação
ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida. 2. Julgamento ou
opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste;
prejuízo.
O Preconceito racial é “um
julgamento negativo e prévio dos membros de um grupo racial de
pertença, de uma etnia ou de uma religião [...]” (GOMES 2005, p.
39-62). Esse tipo de atitude gera inflexibilidade diante das
contestações em contrários. Tudo que se referir às(os) negros(as)
é feio, sujo e ruim.
O
racismo de acordo com Gomes (2005, p. 52)
[.]
é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes do
ódio, em relação às pessoas que possuem um pertencimento racial
observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de
cabelo, etc. e por outro lado um conjunto de idéias e imagens
referentes aos grupos humanos que acreditam na existência de raças
superiores e inferiores.
Na
esteira do significado da palavra discriminar como “distinguir”,
“diferenciar”, “discernir”, A discriminação racial é a
efetivação do racismo (GOMES, p. 55) É a adoção de práticas
racistas a exemplo do desrespeito às pessoas negras pela cor de sua
pele e textura do seu cabelo e pelas práticas candomblecistas por
equivaler à religião dos negros, nas mentalidades dos racistas.
O
racismo estrutural antinegro se constitui na situação vivida pelos
afrodescendente no Brasil. Esses vivem cerceados e excluídos dos
processos educacionais, políticos, econômicos e sociais no Brasil,
numa situação de manutenção de sua pobreza em territórios
equacionados pelo capitalismo racista. A maioria da população pobre
é negra, semi-analfabeta, desempregada, vivem em bairros
desassistidos pelos poderes públicos, sem saúde, nem posse de
terras, morando em favelas quase que totalmente desestruturadas.
Outro fato importante a ser notado nesse artigo é o racismo
antinegro que envolve, o desrespeito com a religião do
afrodescendente, o Candomblé e a Umbanda.
Parte
desse racismo no que tange á religião pode ser compreendido como
destaca Cunha Junior,
A
parte terrena das religiões tem servido de base para justificar e
fomentar racismos. Em nome da religião têm sido difundidas idéias
racistas contra a população negra. Dizer que Macumba, Candomblé,
Umbanda são coisas do demônio trata-se de um desconhecimento das
religiões africanas onde não existem diabos e satanás. Também
trata-se de uma forma de desqualificar, entre a população, estas
religiões e impor o medo com relação a elas, transformando este
medo em diversos conceitos pejorativos contra as culturas negras,
realizando através do pensamento, supostamente religioso, uma forma
de racismo contra as populações negras e contra a cultura negra.
Jesus
Cristo, os anjos e santos são brancos e loiros, exceto Nossa Senhora
aparecida, São Benedito, que é um santo mouro, povos islamizados do
noroeste africano. Santo Antonio de Categeró (África Cirenaica),
Santa Ifigênia e Santo Elesbão ambos etíopes.
[...]
Várias das imagens e idéias religiosas relacionam o Divino com as
figuras loiras, de longos cabelos e faces européias de pessoas, que
não existiram em terras africanas e do Oriente Médio. Muitos
religiosos omitem ou negam a provável cor da pele das principais
figuras do cristianismo. Muitos eliminaram as imagens, realizando
através de palavras o convencimento de que eram pessoas brancas.
Assim, existe um processo complicado com relação a estas posturas,
processo que não tem nada de religioso, mas apenas de relações com
valores do racismo.
[...]
Nas escolas religiosas, em representações teatrais, as meninas e
meninos negros são impedidos de representar os anjos. Porque, dizem
os educadores, não existe anjo negro. Esta é uma idéia racista.
Afinal, não conhecemos estes anjos, trata-se apenas e simplesmente,
de uma representação. (CUNHA JUNIOR, 2010)
A
umbanda e o candomblé e são alvo do racismo antinegro. A professora
Dra. Stela Guedes em entrevista, destaca
que a religião do candomblé não discrimina as pessoas pela cor,
raça ou orientação sexual. Muito menos famílias formadas a partir
dessa orientação. Ou seja, é uma religião plural. Eu afirmo que o
candomblé é uma religião mais que plural, ela incorpora pessoas a
outras práticas religiosas. É adepta da harmonia, ao equilíbrio
universal, ou seja o maât,
que se assenta na filosofia egípcia. Que tem relação com o asé
e como o ntu.
Esse equilíbrio diz respeito a todos os seres animais, vegetais e
minerais, presentes na filosofia egípcia sustentando toda a
filosofia africana tradicional e de base africana no Brasil presentes
nas religiões afro-brasileiras. Na filosofia egípcia o maât
expressa
La
nature Du Maât
Les
anciens Egyptiens affirmaient l’existence d’um ordre supérieur,
vivant em éternel: Maât, soit La justice-vérité, c’est l’órdre
cosmique déifié. Des lors, La vie int´rrieure, Sn
approfondissement, as prefection, será l’exercice meme de
l’intelligence (BASSONTG apud
Obenga, 2007 p. 47)
Na
filosofia banto O ntu
é
o
princípio da existência de tudo. “O Muntu
é a pessoa constituída pelo corpo, mente, cultura e palavra. O
Ubuntu,
a
existência definida pela existência de outras existências. Eu nós
existimos porque você e os outros existem, tem um sentido
colaborativo da existência humana coletiva nisto [...]. A natureza
como respeito profundo a vida. [...] (CUNHA JUNIOR 2010, p. 26-31)
Na
filosofia ioruba o asè
é
a força a energia que circula que provem do divino e perpassa por
todos os seres
É
a força que assegura a existência, que permite o acontecer e o
devir. Sem asè,
a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade
de realização. É o princípio que torna possível o processo
vital. Com toda a força o asè
é transmissível, é conduzido por meios materiais e simbólicos e
acumulável. É uma força que só pode ser adquirida por introjeção
ou por contato. Pode ser transmitida a objetos e a seres humanos.
[...] é a força invisível, a força mágico-sagrada de toda
divindade. [...] o terreiro, todos os seus conteúdos materiais e
seus iniciados, devem receber asè,
acumulá-lo, mantê-lo e desenvolve-lo. (SANTOS 2008, p. 39)
A
religião tradicional africana e de matriz africana não promovem
discórdia nem supremacia de Deuses, todos devem ser respeitados.
Horizontalidade e verticalidade se confluem evidenciando a
circularidade e respeito à hierarquia por conta do respeito aos mais
velhos. As relações independem do poder aquisitivo do adepto,
existe um laço familiar do terreiro. Nessa relação de
transversalidade de forças e energia estão os ancestrais, os seres
divinizados (orixás) e as pessoas (as ialorixás, o babalorixás e
seus filhos).
De
acordo com a entrevista da Dra. Stela o racismo não diminuiu, o que
se modificou foi o enfrentamento. As crianças brancas enfatizaram
que são discriminadas na escola por professarem a religião de
negros. No entanto, o próprio racismo impulsiona as crianças a se
mobilizarem na luta antirracista. As que foram entrevistadas na
década de 1990, hoje adultas entendem que há necessidade do combate
ao racismo, por que a discriminação não para. A força e coragem
para a mudança vêm dos terreiros e da família de terreiro que
forjam laços de identidade, raça, religião e participação nas
redes sociais.
A
escola que deveria ser o locus
do exercício da cidadania e promoção do respeito à diversidade é
o ambiente que promove o enfraquecimento da luta antirracistas. Os
professores em sua maioria são católicos e evangélicos e reforçam
o racismo. Segundo os relatos das crianças de terreiro, se
dependesse da escola continuariam se envergonhando da si, da religião
e da sua cor.
A
pesquisadora Dra. Stela Guedes declara que a constituição
brasileira sofre de esquizofrenia por que garante o estado laico,
contudo incentiva o ensino religioso nas escolas. Permite a adoção
de livros didáticos católicos, ou judaico-cristãos. Urge a
necessidade de formação dos professores para o entendimento das
relações ético-raciais e respeito da religião afro-brasileira. O
racismo antinegro é maléfico porque confronta a população negra,
coloca negros contra negros no que tange à religião. Negros
protestantes, católicos contra negros candomblecistas e umbandistas
de forma que a alienação e o racismo não permitem o exercício do
respeito às pessoas.
O
que significa tolerar? Tolerar. 1. Ser indulgente para com. 2.
Consentir tacitamente. 3. Suportar. Vejamos! Não é do que
precisamos! Exigimos é respeito, capacidade moral de respeitar a
profissão religiosa de qualquer pessoa por que os devotos da umbanda
e candomblé não saem pelo mundo desrespeitando as crenças alheias
nem promovendo a auto-apologia. È importante notar que quem iniciou
essa saga racista e intolerante foi O Papa Nicolau V emitindo a bula
diversa para o Rei Afonso V em 1455. Nela dava plenos poderes ao rei
de conquistar mulçumanos e pagãos, daí vem a submissão
compulsória dos povos conquistados, dentre essa submissão está a
religiosa.
Diferente
das demais religiões, a religião afro-brasileira incorpora
elementos de outras religiões sem nenhum problema de existência.
Entende que em todas as religiões existem os rituais que tem em Deus
sua única fonte de energia, e que essa está disponível para todos
os seres do planeta.
Referências
BASSONG,
Mbog. La
methode de La philosophier africaine:
de l’expresion de La pensée complexe em Afrique noire.
L’Harmattan, Paris, 2007.
SANTOS.
Juana Elben dos. Os
Nãgõ e a Morte:
Pàde, Asèsè e o culto égun na Bahia. Tradução UFBA. 13 ed.
Petrópolis: Vozes, 2008.
CUNHA
JUNIOR. NTU:
Introdução ao pensamento filosófico bantu. In: Revista
Educação em Debate.
v. 1. n. 59. ano 32. Fortaleza: Editora UFC. 2010.
______________.
Educador, você participa do racismo antinegro! In: Formação
cidadã: currículo e transversalidade. (Orgs.) OLIVEIRA, Joyce
Carneiro; FICK, Vera Maria Soares; SOUZA, Vinícius Rocha Souza.
Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011, UFC.
GOMES,
Nilma Lino. Alguns
termos e conceitos presentes no debate sobre relações
étnico-raciais no Brasil:
uma breve discussão. In: Educação
Anti-racista Caminhos Abertos pela Lei Federal 10.639/03.
MEC. 2005.