sábado, 21 de novembro de 2015

RESPEITO, NÃO TOLERÂNCIA RELIGIOSA!


RESPEITO, NÃO TOLERÂNCIA RELIGIOSA!


Rosivalda dos Santos Barreto1


O título desse texto pode ser polêmico, mas explicarei no decorrer dos parágrafos o ponto onde quero chegar! Objetivo aqui relatar dados da pesquisa da professora Dra. Stela Guedes Caputo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no que toca ao racismo antinegro. Ao desrespeito religioso no ambiente escolar e como professores e escola participam do racismo antinegro. Esse crime é cometido contra as pessoas negras e brancas devotas do candomblé. A pesquisadora aponta a necessidade que as crianças têm de omitir, dissimular ou mentir para se proteger contra os ataques racistas que as atingem diretamente numa das coisas que elas mais amam, a sua religião!
A professora Dra. Stela Guedes, no início da década de 1990 buscou temas para redigir uma matéria em Mesquita, Baixada Fluminense. A matéria se intitulou ‘Os netos de santo’, foi originada no Terreiro da Mãe Palmira. Nesse terreiro a pesquisadora encontrou o candomblé e se surpreendeu com a presença de um ogan que tocava os atabaques, uma criança do sexo masculino, branca, com idade de 4 anos. Pergunto-me, o que surpreendeu a educadora, o fato de ser a criança branca atuando numa religião de negros ou a idade da criança?
A professora declara que ficou encantada por que não sabia que no candomblé crianças também poderiam ser devotas. Novamente pergunto, crianças podem ser devotas nas igrejas Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus, Testemunhas de Jeová, Católica, Batista? Por que as pessoas não se surpreendem com a presença de crianças nas religiões judaico-cristãs? Depois de ver que crianças também têm direito de serem adeptas do candomblé, a pesquisadora fez uma grande investigação que resultou nos seus estudos de mestrado e doutoramento. Desses estudos foi publicado o livro ‘Educação nos terreiros’. O campo de sua pesquisa foram os terreiros de Mãe Beata, Mãe Palmira e Mãe Regina, na Baixada Fluminense e no culto aos Eguns, de Pai Lelson, em Belford Roxo.
O resultado da pesquisa apontou o ambiente de terreiro como espaço educativo. Nele as crianças aprendem e conhecem sobre mitos, ervas, culinária, hierarquia, língua ioruba, música, toque dos instrumentos musicais representados nos atabaques. Dentre estas coisas exibem o orgulho de professarem o candomblé, no entanto elas enfrentam o crime do racismo na escola. O ambiente escolar explicita a perpetração do racismo antinegro. Nele para se defenderem dos ataques racistas, as crianças se declaram católicas. Ao que a professora menciona que elas utilizam estratégias de proteção, inventam doenças, por que tem de raspar a cabeça e usar branco, até que contraíram leucemia ou outra doença para esconder o período que permanecem reclusas por conta de sua iniciação. A Dra. Estela Guedes alude ser essa tática estratégias de sofrimento por que as crianças são impelidas a esconder o que amam.
O desrespeito á religião afro-brasileira é racismo antinegro e é importante então que saibamos distinguir o que vem a ser preconceito, discriminação racial, racismo, racismo antinegro e etnocentrismo. Entender esses conceito nos habilita a não minimizar o racismo nem a discriminação, mas nos informa que as crianças brancas são discriminadas por serem de candomblé, uma religião de matriz africana. As crianças negras sofrem de racismo antinegro, são rechaçadas por serem candomblecistas e pelo seu fenótipo: cor da pele, cabelos crespos, lábios, intelectualidade entre outros atributos que as inferiorizam diante dos demais.
O preconceito é segundo o dicionário Aurélio é,
1. Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida. 2. Julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo.
O Preconceito racial é “um julgamento negativo e prévio dos membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia ou de uma religião [...]” (GOMES 2005, p. 39-62). Esse tipo de atitude gera inflexibilidade diante das contestações em contrários. Tudo que se referir às(os) negros(as) é feio, sujo e ruim.
O racismo de acordo com Gomes (2005, p. 52)
[.] é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes do ódio, em relação às pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. e por outro lado um conjunto de idéias e imagens referentes aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores.
Na esteira do significado da palavra discriminar como “distinguir”, “diferenciar”, “discernir”, A discriminação racial é a efetivação do racismo (GOMES, p. 55) É a adoção de práticas racistas a exemplo do desrespeito às pessoas negras pela cor de sua pele e textura do seu cabelo e pelas práticas candomblecistas por equivaler à religião dos negros, nas mentalidades dos racistas.
O racismo estrutural antinegro se constitui na situação vivida pelos afrodescendente no Brasil. Esses vivem cerceados e excluídos dos processos educacionais, políticos, econômicos e sociais no Brasil, numa situação de manutenção de sua pobreza em territórios equacionados pelo capitalismo racista. A maioria da população pobre é negra, semi-analfabeta, desempregada, vivem em bairros desassistidos pelos poderes públicos, sem saúde, nem posse de terras, morando em favelas quase que totalmente desestruturadas. Outro fato importante a ser notado nesse artigo é o racismo antinegro que envolve, o desrespeito com a religião do afrodescendente, o Candomblé e a Umbanda.
Parte desse racismo no que tange á religião pode ser compreendido como destaca Cunha Junior,
A parte terrena das religiões tem servido de base para justificar e fomentar racismos. Em nome da religião têm sido difundidas idéias racistas contra a população negra. Dizer que Macumba, Candomblé, Umbanda são coisas do demônio trata-se de um desconhecimento das religiões africanas onde não existem diabos e satanás. Também trata-se de uma forma de desqualificar, entre a população, estas religiões e impor o medo com relação a elas, transformando este medo em diversos conceitos pejorativos contra as culturas negras, realizando através do pensamento, supostamente religioso, uma forma de racismo contra as populações negras e contra a cultura negra.
Jesus Cristo, os anjos e santos são brancos e loiros, exceto Nossa Senhora aparecida, São Benedito, que é um santo mouro, povos islamizados do noroeste africano. Santo Antonio de Categeró (África Cirenaica), Santa Ifigênia e Santo Elesbão ambos etíopes.


[...] Várias das imagens e idéias religiosas relacionam o Divino com as figuras loiras, de longos cabelos e faces européias de pessoas, que não existiram em terras africanas e do Oriente Médio. Muitos religiosos omitem ou negam a provável cor da pele das principais figuras do cristianismo. Muitos eliminaram as imagens, realizando através de palavras o convencimento de que eram pessoas brancas. Assim, existe um processo complicado com relação a estas posturas, processo que não tem nada de religioso, mas apenas de relações com valores do racismo.
[...] Nas escolas religiosas, em representações teatrais, as meninas e meninos negros são impedidos de representar os anjos. Porque, dizem os educadores, não existe anjo negro. Esta é uma idéia racista. Afinal, não conhecemos estes anjos, trata-se apenas e simplesmente, de uma representação. (CUNHA JUNIOR, 2010)
A umbanda e o candomblé e são alvo do racismo antinegro. A professora Dra. Stela Guedes em entrevista, destaca2 que a religião do candomblé não discrimina as pessoas pela cor, raça ou orientação sexual. Muito menos famílias formadas a partir dessa orientação. Ou seja, é uma religião plural. Eu afirmo que o candomblé é uma religião mais que plural, ela incorpora pessoas a outras práticas religiosas. É adepta da harmonia, ao equilíbrio universal, ou seja o maât, que se assenta na filosofia egípcia. Que tem relação com o asé e como o ntu. Esse equilíbrio diz respeito a todos os seres animais, vegetais e minerais, presentes na filosofia egípcia sustentando toda a filosofia africana tradicional e de base africana no Brasil presentes nas religiões afro-brasileiras. Na filosofia egípcia o maât expressa
La nature Du Maât
Les anciens Egyptiens affirmaient l’existence d’um ordre supérieur, vivant em éternel: Maât, soit La justice-vérité, c’est l’órdre cosmique déifié. Des lors, La vie int´rrieure, Sn approfondissement, as prefection, será l’exercice meme de l’intelligence (BASSONTG apud Obenga, 2007 p. 47)
Na filosofia banto O ntu é
o princípio da existência de tudo. “O Muntu é a pessoa constituída pelo corpo, mente, cultura e palavra. O Ubuntu, a existência definida pela existência de outras existências. Eu nós existimos porque você e os outros existem, tem um sentido colaborativo da existência humana coletiva nisto [...]. A natureza como respeito profundo a vida. [...] (CUNHA JUNIOR 2010, p. 26-31)
Na filosofia ioruba o asè é a força a energia que circula que provem do divino e perpassa por todos os seres
É a força que assegura a existência, que permite o acontecer e o devir. Sem asè, a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital. Com toda a força o asè é transmissível, é conduzido por meios materiais e simbólicos e acumulável. É uma força que só pode ser adquirida por introjeção ou por contato. Pode ser transmitida a objetos e a seres humanos. [...] é a força invisível, a força mágico-sagrada de toda divindade. [...] o terreiro, todos os seus conteúdos materiais e seus iniciados, devem receber asè, acumulá-lo, mantê-lo e desenvolve-lo. (SANTOS 2008, p. 39)
A religião tradicional africana e de matriz africana não promovem discórdia nem supremacia de Deuses, todos devem ser respeitados. Horizontalidade e verticalidade se confluem evidenciando a circularidade e respeito à hierarquia por conta do respeito aos mais velhos. As relações independem do poder aquisitivo do adepto, existe um laço familiar do terreiro. Nessa relação de transversalidade de forças e energia estão os ancestrais, os seres divinizados (orixás) e as pessoas (as ialorixás, o babalorixás e seus filhos).
De acordo com a entrevista da Dra. Stela o racismo não diminuiu, o que se modificou foi o enfrentamento. As crianças brancas enfatizaram que são discriminadas na escola por professarem a religião de negros. No entanto, o próprio racismo impulsiona as crianças a se mobilizarem na luta antirracista. As que foram entrevistadas na década de 1990, hoje adultas entendem que há necessidade do combate ao racismo, por que a discriminação não para. A força e coragem para a mudança vêm dos terreiros e da família de terreiro que forjam laços de identidade, raça, religião e participação nas redes sociais.
A escola que deveria ser o locus do exercício da cidadania e promoção do respeito à diversidade é o ambiente que promove o enfraquecimento da luta antirracistas. Os professores em sua maioria são católicos e evangélicos e reforçam o racismo. Segundo os relatos das crianças de terreiro, se dependesse da escola continuariam se envergonhando da si, da religião e da sua cor.
A pesquisadora Dra. Stela Guedes declara que a constituição brasileira sofre de esquizofrenia por que garante o estado laico, contudo incentiva o ensino religioso nas escolas. Permite a adoção de livros didáticos católicos, ou judaico-cristãos. Urge a necessidade de formação dos professores para o entendimento das relações ético-raciais e respeito da religião afro-brasileira. O racismo antinegro é maléfico porque confronta a população negra, coloca negros contra negros no que tange à religião. Negros protestantes, católicos contra negros candomblecistas e umbandistas de forma que a alienação e o racismo não permitem o exercício do respeito às pessoas.
O que significa tolerar? Tolerar. 1. Ser indulgente para com. 2. Consentir tacitamente. 3. Suportar. Vejamos! Não é do que precisamos! Exigimos é respeito, capacidade moral de respeitar a profissão religiosa de qualquer pessoa por que os devotos da umbanda e candomblé não saem pelo mundo desrespeitando as crenças alheias nem promovendo a auto-apologia. È importante notar que quem iniciou essa saga racista e intolerante foi O Papa Nicolau V emitindo a bula diversa para o Rei Afonso V em 1455. Nela dava plenos poderes ao rei de conquistar mulçumanos e pagãos, daí vem a submissão compulsória dos povos conquistados, dentre essa submissão está a religiosa.
Diferente das demais religiões, a religião afro-brasileira incorpora elementos de outras religiões sem nenhum problema de existência. Entende que em todas as religiões existem os rituais que tem em Deus sua única fonte de energia, e que essa está disponível para todos os seres do planeta.
Referências
BASSONG, Mbog. La methode de La philosophier africaine: de l’expresion de La pensée complexe em Afrique noire. L’Harmattan, Paris, 2007.
SANTOS. Juana Elben dos. Os Nãgõ e a Morte: Pàde, Asèsè e o culto égun na Bahia. Tradução UFBA. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
CUNHA JUNIOR. NTU: Introdução ao pensamento filosófico bantu. In: Revista Educação em Debate. v. 1. n. 59. ano 32. Fortaleza: Editora UFC. 2010.
______________. Educador, você participa do racismo antinegro! In: Formação cidadã: currículo e transversalidade. (Orgs.) OLIVEIRA, Joyce Carneiro; FICK, Vera Maria Soares; SOUZA, Vinícius Rocha Souza. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011, UFC.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações étnico-raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação Anti-racista Caminhos Abertos pela Lei Federal 10.639/03. MEC. 2005.


1 Doutoranda em Educação. Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Agência financiadora CAPES/PROPAG. Mestra em Educação pela UFC. Licenciada em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador.

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