O que é o bem e
o mal. onde ele se encontra? O que é o demônio e qual a sua suposta
aparência? O que é fetiche ou feitiço? Como as religiões católica,
neopentecostal e islâmica veem o mal? Se aguçarmos a nossa imaginação e
buscarmos respostas na religiosidade tradicional e cognição africana, na
lógica, chegaremos à seguinte conclusão. Se a cosmovisão africana crê
que no mundo tudo é energia, o mal e o bem são energias que são
alimentadas no nosso ego colaborando para o nosso equilíbrio ou
desequilíbrio. Contudo o que deve prevalecer é o equilíbrio, ou seja, Maat na filosofia egípcia, Axé ioruba e Ntu, banto.
O demônio não existe! Foi uma invenção
ideológico judaico-cristã, instituição igreja, para dominar os fiéis e
justificar o poder na presença de Deus como o ser temido, vingativo a
quem devemos obediência cega para evitarmos outra farsa, o inferno, onde
por intermédio do padre, rabino, pastor nos orientarão para nos livrar
do pecado, também nos colocando em contato direto com Deus e
determinando a nossa penitência. Essa ideia de céu e inferno é invenção
judaico-cristã. Na cosmovisão africana a vida existe aqui e agora, sem a
ideia do pecado original, portanto o que devemos fazer de bom o lugar é
aqui e agora, porque na religiosidade tradicional africana a energia
circula entre dois mundos paralelos no qual Deus está presente, do orum
(mundo espiritual) e o aiyê (mundo físico). A morte é o rito de passagem
do mundo visível para o mundo invisível, mundo dos ancestrais, por via
do Axexe, momento em que nossa energia vai retornar para Deus e reequilibrar a energia terrestre. Axexe é origem das origens, e é quando se celebra a passagem de um ara-aiyê, ser humano habitante do aiyê,
para o orum. “Esta passagem caracteriza uma elaboração de morte que
compreende o conceito de restituição. ‘Vai-se para dar lugar a outros’.
Uma vez restituídas de axé, as forças que regem o universo são capazes de engendrar novos nascimentos e expandir criação.” (LUZ 2000, p. 33).
Deus não está longe de nós, faz parte
dos dois mundos, porque é energia na qual também estamos embebidos. Deus
está em nós e nosso corpo é o seu templo. É nesse sentido que a festa
se torna um elemento forte na cultura de base africana, a alegria em vez
do sofrimento deve ser preservada. Por isso dançamos e cantamos quando
celebramos. Por essa razão a celebração do candomblé se faz com música,
indumentária impecável, e adereços significativos que são ao mesmo tempo
obras de arte lindíssimas. Lembremo-nos do nosso artista imortal Mestre
Didi, o Alapini (líder supremo) do culto do Egungun no Ilê Axé Assipá,
na Bahia. É um artista que visualizou no candomblé as artes plásticas.
lida com
ideias fixas de bem/mal; bom/ruim; claro/escuro; acima/abaixo,
belo/feio. O Exu, Esu, Eshu, Bara, Ibarabo, Legbá, Elegbara, Eleggua
(Cuba), Akésan, Igèlù, Yangí, Ònan, Lállú, Tiriri, Ijèlú. São a
subjetividade, são duas ou mais coisas ao mesmo tempo. A palavra Exu,
significa esfera. Onde começa e termina a esfera? As ferramentas de Exu
são obras de arte, assim como todas as outras que estão e são inerentes
às indumentárias dos demais orixás. Porque a arte faz parte do universo
africano.
Os missionários chegaram ao continente africano com um amuleto, a cruz,
e falando insistentemente em feitiço, palavra inexistente no
vocabulário africano. Concluímos que o feitiço é uma ideia europeia
inserida no contexto africano a partir da colonização. Por que os
amuletos africanos eram satânicos se não existia a ideia do satanás? Não
seria essa entidade católica, uma forma de desestruturar a
religiosidade africana, com o intuito de fazer ruir a cultura africana e
dominar para controlar o continente por razões sórdidas, criminosas
motivadas pelos interesses político-econômicos e pela ganância para por
via da religião, impor o poder europeu? A religiosidade africana
antecede a colonização, logo o demônio, o satanás é uma ideologia
utilizada pela crença judaico-cristã para implantar o terror, a força e o
poder colonial objetivando a subalternidade e inferioridade da
religiosidade africana e afro-brasileira, resultando no que vemos
atualmente com a prática da intolerância religiosa. Onde o pobre Exu é o
culpado de todos os males. A religiosidade africana e afro-brasileira
são subjetivas e dialéticas. É preciso inteligentsia para alcançar essa
subjetividade. Satanizar a religiosidade africana e afro-brasileira é um
ato de bondade ou de maldade?
O mundo ocidental é dicotômico, ricano e se notarmos bem do afro-brasileiro. Uma forma de se
relacionar com o sagrado. São formas que contém em si energia vital. O
Exu pode ser bom ou ruim dependendo dos homens, por que as energias
positivas e negativas fazem parte do universo humano, logo, o mal e o
bem são energias que emergem das atitudes humanas. Um dos símbolos e
principal do Exu é o tridente, que limita, mas não dilacera, fere, mas
equilibra, não mata. A lança transpassa e dilacera o adversário, porém e
o tridente é o limite. O Exu é evocado no padê ou ipadê,
reunião convocatória de todas as forças capazes de trazer o bem estar e
prosperidade à comunidade, tempo em que oferenda a Iya-Agba, as mães
ancestrais. (LUZ 2000, p. 51)
Exu é o orixá princípio da comunicação,
por isso está em todos os lugares, em todos os caminhos em todas as
pessoas, transmitindo dinamismo. Caminhos são encruzilhadas que levam a
todos os lugares possíveis, com várias opções, com várias escolhas. Por
essa razão as oferendas a Exu, são no abrigo da natureza, na rua e nas
encruzilhadas para abrir os caminhos. Essas oferendas são a ligação
entre o homem e o sagrado, ele faz circular o axé dinamizador do ciclo vital. A assentamento de Exu é na frente das casas de candomblé para protegê-la e aos seus adeptos.
O “assento” de Exu, que é uma
casinhola de pedra e cal, de portinhola fechada a cadeado é a sua
representação mais comum em que está sempre armado com suas sete
espadas, […]Entre os iorubás o lugar consagrado a Exu é constituído por
pedaços de pedras porosas chamada yangi ou por um montículo de terra
modelada numa forma similar a figura humana que tem olhos, nariz e boca
assinalados por cauris (búzios). Outras vezes são representados por uma
estátua que contém fileiras de cauris, tendo às mãos uma pequena cabaça
(adó) que no seu interior leva ingredientes com poderes mágicos para a
realização dos seus trabalhos, nestes casos, seus cabelos projetam-se
numa longa trança sobre o crânio com a finalidade de ocultar a lâmina de
uma faca que ele possui no alto do crânio que correspondem aos sete
caminhos do seu imenso domínio, eram outros tantos motivos a apoiar a
símile. (SODRE 2009, p.5)
Onde estão a maldade e satanismo ou vestígios desses nos assentamentos e nas oferendas a exu?
Exu é orixá l’odê, isto é,
orixá de rua, irmão de Ogun. Tem várias representações. É responsável
pelo interior do corpo. Exu Bara, oba+ara = rei do corpo, logo todo o
indivíduo tem o seu exu. Ele responde pela circulação interna do corpo e
pelo movimento. Está relacionado com as cavidade internas do útero. É o
patrono da relação sexual, fazendo interagir o sêmen e o óvulo que é a
representação do axé e principio feminino e masculino respectivamente. Está ligado à placenta, ou seja, ipori, matéria
de origem. Também associado à introjeção e restituição que estão
representadas nas esculturas que o representa. Transfere as matérias do
ayiê para o orun. (LUZ 2000, p. 51)
Exu é filho da interação dos princípios
masculino e feminino. Orumila orixá funfun, da cor branca, da direita e
com Ybiérru, orixá da esquerda da cor vermelha. Quando associado ao
barro vermelho endurecido, considerado a primeira matéria do universo.
“Exu realiza o processo capaz de engendrar a passagem e o nascimento de
um ser do orun para o aiyê, das matérias massa, princípios genéricos, para a existência material concreta”. (LUZ 2000, p. 51).
Exu possui alguns nomes que variam segundo suas características.
Yangi primeira matéria do universo. Exu
Bara rege o interior do corpo. Exu Enugbarijo ligado às funções da boca,
da introspecção e da fala. Exu Ojixé=ebo, mensageiro e transportador de
oferendas. Exu Elebó, senhor das oferendas que estabelece a ligação dos
seres humanos com os orixás e vice-versa. Exu Onã, que abre e fecha os
caminhos, prefere as encruzilhadas. Exu-obé, o que maneja a faca que
separa e auxilia o nascimento e propicia a morte. Exu Osetuwa, que
movimenta a posição dos símbolos que representa os Odu que regem o
destino. (LUZ 2000, p. 51).
Exu é andarilho, é invisível, mas
existe. Representa o riso e a brincadeira. Um dia Exu resolveu trocar a
lua, o sol e o oceano dos seus lugares de origem. Oxalá viu a lua passar
em lugar que não lhe era particular e perguntou o que ocorreu. A Lua
respondeu: – foi Exu. E Oxalá ordenou que tudo fosse restituído ao seu
lugar.
Quais são as ideias de lateralidade na
religião de matriz africana as quais podemos dizer que Exu utiliza no
seu ofício de mensageiro entre os dois mundos, responsável pelo ciclo de
energia vital?
Tendo a oferenda na mão esquerda estende o braço para a frente saudando o nascente, o iyo-õrun; levando o seu braço para trás, saúda o poente, o ìwò-õrun; depois estende o braço para a direita, saudando o lado direito do mundo, o ótún-àiyé; e finamente para a esquerda, saudando o lado esquerdo do mundo, òsì-aiyé. (SANTOS 2008, p. 69)
Observemos então que as oferendas e
comunicação se dão extremamente conectadas com o mundo e a natureza. Exu
notadamente não é especificamente um orixá, é um princípio comunicação e
da circulação do axé, da energia vital entre o homem, a mulher e o
sagrado, as divindades, o meio ambiente. É a força dinamizadora.
Não há existência sem Exu, porque não há
existência sem uma forma cultural que lhe dê sentido. Exu dá sentido ao
interligar todos os seres. Os seres são porque são interligados. Exu é o
princípio da comunicação e como toda a comunicação é pública, logo
política. Exu é o princípio mais dinâmico da cultura afro-brasileira na
medida em que coloca todos os seres em intercâmbio relacional
conferindo-lhe a existência individualizada, principalmente o sentido
que faz com que as coisas sejam o que são […] a inteligibilidade sobre
as coisas. (OLIVEIRA, p. 108.)
Exu é Exu! Exu é nossa natureza humana, Exu é alegria e tristeza, é a personificação da dinâmica da vida.
BIBLIOGRAFIA
LUZ, Marco Aurélio de Oliveira. Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira. 2a Edição. Salvador: EDUFBA. 2000.
OLIVEIRA, David Eduardo de. Cosmovisão Africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: LCR. 2003.
SANTOS. Juana Elben dos. Os Nãgõ e a Morte: Pàde, Asèsè e o culto égun na Bahia. Tradução UFBA. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
SOUSA JUNIOR, Vilson Caetano. Nossas Raízes Africanas. (Org.). São Paulo: Atabaque, 2004.
Bibliografia Eletrônica
Exu e seu tridente Disponível em: <http://www.ermitao.com/2011/03/exu-e-seu-tridente.html>. Acesso 06 fev. 2012.
SODRÉ, Jaime. Exu – forma e função. In: Revista VeraCidade – Ano IV – Nº 5 – Outubro de 2009 Dsiponível em <http://www.veraci dade. .ba.gov.br/v5/pdf/artigo4.pdf>. Acesso 6 fev. 2012.
Exu (orixá). Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Exu_(orix%C3%A1). Acesso 06 fev. 2012.
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