No
texto anterior especulei que para entendermos especificidades do
racismo institucional antinegro precisamos conhecer e entender alguns
conceitos. Dentre eles o etnocentrismo, que não abordei por que
penso que deveria tratá-lo num momento específico. Os conceitos de
racismo, discriminação racial, preconceito vezes quando não
desenvolvidos adequadamente conduzem a conclusões que em vez de
ajudar, aprisionanos numa camisa de força que muitas vezes afirma o
racismo em vez de demoli-lo, mesmo quando somos contrários a ele. Às
vezes por não conhecer os meandros do racismo antinegro damos armas
para os inimigos.
O texto seguinte aborda
questões relacionadas ao etnocentrismo e é o resultado de um
trabalho coletivo, do Curso de Especialização em História Social e
Cultura Afro-Brasileira. É uma resumo do livro ‘O que é
etnocentrismo’.
O
autor inicia o seu texto com a narrativa de uma aula na “Escola de
Sagres”, na qual o professor fala das grandes navegações. Atribui
a esta instiuição os valores formadores dos futuros navegadores e
expõem as certezas etnocêntricas acerca do mundo, e da cultura de
um povo português do início do século XVI, sem mesmo conhecer,
especulando a partir de suas próprias convicções, acreditando e
fazendo crer que eram verossímeis. Ocorre que as navegações não
são apenas descobertas portuguesas, são também árabes, chinesas e
africanas. Vale lembrarmos das civilizações desenvolvidas no vale
do Nilo e outras populações africanas. Qual povo teria um rio e
navegá-lo-ia depois do século XVI?
A
partir das necessidades de expansão do império, se lançaram em
busca de resultados imperiais e respostas sobre o “outro”, em que
a partir de um conjunto de valores europeus começaram a especular
sobre o habitante do “novo mundo”. Porém estas especulações
sempre foram voltadas para a hipervalorização do “eu”2
(ocidental). É digno de nota que Américas e África não são novo
mundo, pois as populações dos dois continentes possuíam histórias,
civilizações e tecnologias as quais sobreviveram bem antes da
invasão européia.
M’Bokolo
(2009) trata sobre um período pouco coberto pela historiografia que
temos acesso, como afirma o autor. Nos fala das heranças africanas;
do tráfico negreiro desde o primeiro séculos do islã se estendendo
ao XIX; dos problemas historiográficos relacionados ao tráfico
negreiro e as diásporas africanas. Mas, o que quero destacar na
Figura 1, é que existiam relações comerciais entre África,
Suméria, países ribeirinhos do Indo a partir do II milênio a. C.
na costa do mar Vermelho e Oceano Índico, M´Bokolo (2009, p. 38)
mostra que o período das monções que influenciavam nas navegações,
era conhecido por esses povos, porém foi atribuído ao grego
Hippale. (BARRETO apud
M’Bokolo, 2012)
Figura
1. Fonte: M’BOKOLO, 2009.
Do
esforço do não absolutismo do pensamento ocidental do “eu”
sobre o “outro” é que surge a Antropologia social ou cultural e
que mais tarde, nos séculos XVIII e XIX, irá justificar essa
diferença apoiada no Evolucionismo em primeira instância. Logo após
admitindo que o outro possua graus de evolução diferentes, sendo
este o marco do pensamento antropológico que traduziu o espanto e a
perplexidade do século XVI em evolução no século XIX, defendendo
a verdade absoluta de que o “outro” se configurava daquela forma
por estar num estagio anterior de evolução.
Segundo
o autor, evolução equivale a desenvolvimento, que por sua vez pode
estar ligado ao orgânico, nível biológico do desenvolvimento que a
partir da formulação do livro “A origem das Espécies” de
Charles Darwin, idéias da segunda metade do século XIX, que vinha
sendo discutida filosoficamente com os iluministas a partir do século
XVIII. As discussões sobre as sociedades humanas fizeram surgir o
evolucionismo biológico e o social, e o último passou a explicar o
“outro”, consequentemente, reafirmando o etnocentrismo
classificando o “eu” adiantado e civilizado frente do “outro”
em estágio primitivo biológico e social.
O
texto nos mostra que o evolucionismo antropológico considerou as
expressões “progresso” e “tempo” como fundamentais, em que o
homem teria que passar até atingir a civilização. Baseada nos
estudos de Sir James George Frazer, Edward Burnett Tylor e Lewis
Morgan, a Antropologia do século XIX remontou a origem do homem na
terra, e a sua escala na evolução das sociedades espalhadas no
mundo, acreditando que algumas sociedades evoluíram como a inglesa,
a norte americana e outras européias, enquanto algumas pararam
primitivamente.
Sir
Edward Tylor, ao definir cultura e civilização, considerou de forma
absolutista. Para ele sua sociedade continha os valores que deveriam
ser considerados como universais, por serem os melhores, normatizando
e sustentando dessa forma, que os primitivos atingiriam um dia o
padrão de civilização e cultura. Essa atitude desconsiderou
totalmente as peculiaridades de cada cultura e classificou os valores
europeus como algo fechado, formatado, pronto para impor e apagar a
cultura do “outro” no primeiro contato.
A
cultura foi o critério que os países autodenominados desenvolvidos
utilizaram para delimitar o nível de evolução dos povos
desconhecidos. Por isso, por si só, daria conta de compreender tudo
como se fosse homogêneo, pasteurizado, unilateral. Depois dessa
teoria, excluindo o trabalho de campo e a relativização, a
Antropologia de Lewis Morgan calculou as sociedades segundo o seu
grau de evolução em: selvagens, bárbaras e civilizadas, se baseado
na acumulação do saber e no progresso das faculdades mentais e
morais dos homens, bem como, nas profissões, religiões e nas formas
de governo. Decerto esses cientistas desconheciam as cidades estados,
grandes reinos africanos e sua organização social, política,
econômica e social.
O
autor frisa que tanto as idéias do século XVI quanto as do século
XIX são inadequadas, pois, são etnocêntricas em ver o “outro”,
embora a segunda relativize um pouco, por refletir sobre o mesmo, no
encontro do “velho” com o “novo mundo”, apesar da
complexidade criada a partir do contato e pela desinformação sobre
o “outro” em seu objeto de estudo que se relativiza e se
complexifica ao mesmo tempo a partir também da autoavaliação da
sociedade do “eu”.
A
compreensão da antropologia social e cultural e mesmo a da
relativização estudaram o “outro”, mas não desmistificaram a
idéia de “atraso” dos continentes Africano e Latino Americano
nem reconheceram as contribuições culturais e intelectuais destes
para a humanidade. Estudos comprovam que antes da colonização
européia a governança no continente africano não era bárbara e a
escravidão lá existente nunca degradou a humanidade do serviçal.
Segundo
o autor o livro foi concebido num esforço de mostrar como
paulatinamente o etnocentrismo auto superou-se, porém, não é
perceptível na atualidade condições dignas de vida na sociedade do
“outro”. Ainda se convive em situação de dependência do
capital estrangeiro. O Banco Mundial é um empecilho para este
crescimento, fazendo os países pobres contraiam dívidas pagando-as
com o que tem mais valioso em seus países e principalmente com sua
soberania.
O
capitalismo até agora é um impedimento na autêntica evolução da
sociedade do “outro”. As multinacionais instaladas nos países
pobres, interferem diretamente na manutenção da pobreza formando
ideologicamente o complexo de inferioridade, fazendo com que alguns
povos se reconheçam inferiores aos “eus” irreconhecendo seus
próprios valores acreditando-se incapazes de crescer na diversidade
e evoluir de forma heterogênea, assim como suborna seus governantes.
Menciono ainda os organismos internacionais (ONU, UNESCO, OMC,
UNICEF) no cerceamento do equilíbrio das populações latino
americanas e africanas.
Aliado
ao relativismo promove a eugenia, biológica tentando convencer o
“outro” de sua inferioridade principalmente nas diásporas
africanas em se tratando da economia e racismo. A exemplo dos índios
que foram exterminados sumariamente.3
E os afrodescendentes que permanecem no Brasil excluídos dos bens
sociais. Atualmente vemos a sociedade do “eu” evidenciar a
dispensabilidade do “outro” na sua própria gestão governamental
afirmando a necessidade da interferência do “eu”, determinando
que todos os países devessem ter sistemas democráticos e serem
capitalistas. A exemplo da invasão do Iraque, Vietnã; na África
implantação da democracia e o embargo a Cuba por ser socialista e
ter um sistema autoritário.
Podemos
ressaltar as brutalidade contra os líderes africanos pela
determinação do “eu” a exemplo de
Mulheres
como Kimpa Vita (Congo) que fundou o movimento antoniano (M’Bokolo),
Nzinga (Angola) contra o tráfico transatlântico criminoso (Luz) e
Sarraounia (Níger) contra os franceses. E
em: 1957, Dedan Kimathi (Quênia); 1958, Reubem Um Nyobe (Camarões);
1959, Bathelemey Boganda (Rep. Centro Africana); 1960, Felix-Rolant
Moumié (Camaõres)4;
1961, Jean-Pierre Finant (Congo), Joseph Okito, Maurice Mpolo e
Patrice Lumumba (Congo Kinshasa)5;
1963, Sylvanus Olympio (Togo); 1965, Mehdi Bem Barka (Marrocos);
1966, Ossende Afana (Camarões); 1968, Pierre Mulele (Congo); 1969,
Eduardo Mondlane (Moçambique)6;
1972, Ange Diawara Bidie e Jean-Baptiste Ikoko (Congo Brazzaville);
1973, Outel Bono (Chade)7
e Amílcar Cabral (Guiné-Bissau e Cabo Verde)8;
1974, Onkgopotse Tiro (África do Sul); 1975, Herbert Chiptepo
(Zâmbia) e Josiah Kariuki (Quênia); 1976, Murtala Mohamed
(Nigéria)9;
1977, Steve Biko (África do Sul)10
e Modibo Keita (Mali)11;
1981, Joe Gqabi (África do Sul); 1982, Ruth First (África do Sul);
1983, Attati Mpakati (Zimbábue); 1986, Samora Machel (Moçambique),
1987, Thoma Sankara (Burkina Faso)12,
e Kadafi 2011 (Líbia).
No
Brasil os EUA se autoresponsabiliza pela proteção da Floresta
Amazônica sob alegação da selvageria e falta de condições dos
brasileiros em cuidar do próprio patrimônio que, segundo eles, é
um parque mundial sob proteção da ONU 13.
Colocando o “outro” num patamar de inferioridade enquanto o “eu”
num de superioridade. Logo, o etnocentrismo hoje tem outra roupagem e
continua complexamente e sutilmente com seus tentáculos atuando
firmemente e com o aval do “outro”
O
autor aponta a Inglaterra estando num estagio civilizado enquanto a
Austrália parada num estagio primitivo, análise feita sobre a
óptica inglesa. Mas, é claro que também são selecionados
critérios para manter algumas sociedades em permanente estado de
atraso. Porém a ampliação do estudo minucioso da antropologia
tendo como objeto o “outro” submete-o. Neste campo vai se
desenvolvendo as teorias racistas sustentada biologicamente com o
estabelecimento das raças que hoje é desconsiderada, mas, o estigma
e o estereótipo da inferioridade das raças permanecem. A imagem de
Jesus com o biotipo europeu é o sinal de afirmação da
inferioridade das raças, porque na região onde Ele nasceu jamais
seria branco com olhos azuis.
Em
relação a idéia de velho e novo mundo, qual seria mesmo o “novo”
mundo a Europa ou a África onde surgiu a espécie humana, onde a
arquitetura, engenharia, medicina e etc. já eram utilizadas com
sabedoria? Porque estudamos o Egito, estirpado da África? São
questões a serem analisadas e estudadas para ver mesmo até que
ponto a antropologia se relativiza.
Vimos
então que as sociedades foram moldadas para se manterem dominadas
sob os paradigmas do “eu”. Podemos analisar como até nossos dias
estudamos, entendemos o outro, somos bombardeados pela mídia a cerca
do “eu e do “outro”. A Igreja Universal do Reino de Deus é uma
das representantes do “eu”. Vem desempenhando esse papel se
utilizando do racismo antinegro e bombardeando as religiões de
matriz africana, como se nós devotos permanecêssemos no estado de
primitividade e barbárie. Isto publicado sofregamente no seu jornal
Folha Universal com tiragem de milhões em cópias. O que penso que
deveríamos nos posicionar contrários.
Referências
BARRETO,
Rosivalda dos Santos. Patrimônio
Cultural, Infância e Identidade no Bairro do Bom Juá:
Salvador – Bahia. 2012. 214 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará. 2012.
MOORE, Carlos. A
África que Incomoda: sobre a problematização do legado africano no
quotidiano brasileiro. Belo
Horizonte:Nandyala. (Coleção Repensando a África, v. 1), 2008. 217
p
ROCHA,
Everardo P. Guimarães. O Que é Etnocentrismo. Primeiros Movimentos.
São Paulo, Brasiliense, 1984.
Bibliografia
Eletrônica
http://www.midiaindependente.org/eo/blue/2001/11/11445.shtml
1
Esse
texto foi elaborado como trabalho final da disciplina Noções de
Etnicidade. Do Curso de Especialização em História Social e
Cultura Afro-brasileira. Pela FETRAB – Federação dos
Trabalhadores Públicos do Estado da Bahia, ACEB – Associação
Classista de Educação da Bahia, sob chancela da Faculdade da
Cidade do Salvador, no ano de 2007. O capítulo resumido foi,
Primeiros movimentos, p. 23-36. ROCHA, Everardo P. Guimarães. O
Que é etnocentrismo.
São Paulo: Brasiliense, 1984. Os autores foram: Rosivalda dos
Santos Barreto, Dino Cássio Castro Lima, Flávio Luís Assiz dos
Santos, leda Alves da Cruz, Maria das Graças Cunha Medina, Nadja de
Souza Castro, Paulo Tomé dos Santos. Esse texto foi atualizado para
publicação no blog Religiões Afro-brasileiras e Política.
2
O autor trata o eu como os europeus e o outro, os outros povos que
seriam subordinados ao sabor da colonização e tráfico criminoso
de africanos e escravidão também criminosa de indígenas e
africanos.
3
A Missão. Direção de Roland
Joffé. Roteiro, Roberto Bolt. Produção
Warner Bross, Pictures, Goldcrest Filmas International, Kingsmere
Produtions Ltd. Intérpretes, Robert
De Niro, Jeremy
Irons, Ray
McAnally, Aidan
Quinn,Cherie
Lunghi, Ronald
Pickup, Chuck Low,
Liam Neeson,
Bercelio Moya,
Sigifredo Ismare,
Asuncion Ontiveros,
Alejandrino Moya,
Daniel Berrigan,
Rolf Gray, Álvaro
Guerrero. 1976.125 min.
4
De acordo coma nota de rodapé
Moore (2008, p.49) denuncia que esse líder africano, importante
téorico pan-africanista, dirigente Da União das Populações
deCamarões (UPC). Foi assassiando com o veneno Tálio, em um hotel
em Genebra, Suiça, pela “Mão Vermelha”, uma seção do Serviço
de Inteligência Francesa (SDECE) que se encarregava, na época, de
exterminar os dirigentes nacionais africanos nas colônias
francesas.
5
Primeiro-Ministro do Congo,
assassinado num complô orquestrado pelos EUA, Bélgica e França Op
cit.
6
Presidente da FELIMO (Frente
Libertadora de Moçambique), assassinado pelo Serviço de
Inteligência de Portugal (PIDE) com uma bomba. Opcit
p. 50
7
Dirigente pan-africanista
assassinado em Paris com dois tiros no peito pelo Serviço de
Inteligência da França (SDECE). Op.
cit.
8
Líder da Gunié-Bissau do
(Partido pela Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde),
assassinado pelo Serviço de Inteligência de Portugal (PIDE) com
participação de traidores do movimento. Op
cit.
10
Assassinado na detenção pelo
regime do Apartheid, foi propulsor da filosofia consciência negra.
Op. Cit.p.51
11
Presidente do Mali foi
eliminado por emergência de um golpe de Estado promovido pela
França. Op. Cit.
12
Primeiro-Ministro, assassinado
em sua residência, presume-se que pelo governo francês. Op.
cit. Maiores informações
a cerca de motivos que levaram ao extermínio de inúmeros líderes
africanos, estão disponíveis em: MOORE, Carlos. A
África que Incomoda: sobre a problematização do legado africano
no quotidiano brasileiro.
Belo Horizonte:Nandyala. (Coleção Repensando a África, v. 1),
2008. 217 p.
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