sábado, 21 de novembro de 2015

O QUE É ETNOCENTRISMO: "PRIMEIROS MOVIMENTOS"


O Que é Etnocentrismo? – “Primeiros movimentos”1

No texto anterior especulei que para entendermos especificidades do racismo institucional antinegro precisamos conhecer e entender alguns conceitos. Dentre eles o etnocentrismo, que não abordei por que penso que deveria tratá-lo num momento específico. Os conceitos de racismo, discriminação racial, preconceito vezes quando não desenvolvidos adequadamente conduzem a conclusões que em vez de ajudar, aprisionanos numa camisa de força que muitas vezes afirma o racismo em vez de demoli-lo, mesmo quando somos contrários a ele. Às vezes por não conhecer os meandros do racismo antinegro damos armas para os inimigos. O texto seguinte aborda questões relacionadas ao etnocentrismo e é o resultado de um trabalho coletivo, do Curso de Especialização em História Social e Cultura Afro-Brasileira. É uma resumo do livro ‘O que é etnocentrismo’.
O autor inicia o seu texto com a narrativa de uma aula na “Escola de Sagres”, na qual o professor fala das grandes navegações. Atribui a esta instiuição os valores formadores dos futuros navegadores e expõem as certezas etnocêntricas acerca do mundo, e da cultura de um povo português do início do século XVI, sem mesmo conhecer, especulando a partir de suas próprias convicções, acreditando e fazendo crer que eram verossímeis. Ocorre que as navegações não são apenas descobertas portuguesas, são também árabes, chinesas e africanas. Vale lembrarmos das civilizações desenvolvidas no vale do Nilo e outras populações africanas. Qual povo teria um rio e navegá-lo-ia depois do século XVI?
A partir das necessidades de expansão do império, se lançaram em busca de resultados imperiais e respostas sobre o “outro”, em que a partir de um conjunto de valores europeus começaram a especular sobre o habitante do “novo mundo”. Porém estas especulações sempre foram voltadas para a hipervalorização do “eu”2 (ocidental). É digno de nota que Américas e África não são novo mundo, pois as populações dos dois continentes possuíam histórias, civilizações e tecnologias as quais sobreviveram bem antes da invasão européia.
M’Bokolo (2009) trata sobre um período pouco coberto pela historiografia que temos acesso, como afirma o autor. Nos fala das heranças africanas; do tráfico negreiro desde o primeiro séculos do islã se estendendo ao XIX; dos problemas historiográficos relacionados ao tráfico negreiro e as diásporas africanas. Mas, o que quero destacar na Figura 1, é que existiam relações comerciais entre África, Suméria, países ribeirinhos do Indo a partir do II milênio a. C. na costa do mar Vermelho e Oceano Índico, M´Bokolo (2009, p. 38) mostra que o período das monções que influenciavam nas navegações, era conhecido por esses povos, porém foi atribuído ao grego Hippale. (BARRETO apud M’Bokolo, 2012)








Figura 1. Fonte: M’BOKOLO, 2009.


Do esforço do não absolutismo do pensamento ocidental do “eu” sobre o “outro” é que surge a Antropologia social ou cultural e que mais tarde, nos séculos XVIII e XIX, irá justificar essa diferença apoiada no Evolucionismo em primeira instância. Logo após admitindo que o outro possua graus de evolução diferentes, sendo este o marco do pensamento antropológico que traduziu o espanto e a perplexidade do século XVI em evolução no século XIX, defendendo a verdade absoluta de que o “outro” se configurava daquela forma por estar num estagio anterior de evolução.
Segundo o autor, evolução equivale a desenvolvimento, que por sua vez pode estar ligado ao orgânico, nível biológico do desenvolvimento que a partir da formulação do livro “A origem das Espécies” de Charles Darwin, idéias da segunda metade do século XIX, que vinha sendo discutida filosoficamente com os iluministas a partir do século XVIII. As discussões sobre as sociedades humanas fizeram surgir o evolucionismo biológico e o social, e o último passou a explicar o “outro”, consequentemente, reafirmando o etnocentrismo classificando o “eu” adiantado e civilizado frente do “outro” em estágio primitivo biológico e social.
O texto nos mostra que o evolucionismo antropológico considerou as expressões “progresso” e “tempo” como fundamentais, em que o homem teria que passar até atingir a civilização. Baseada nos estudos de Sir James George Frazer, Edward Burnett Tylor e Lewis Morgan, a Antropologia do século XIX remontou a origem do homem na terra, e a sua escala na evolução das sociedades espalhadas no mundo, acreditando que algumas sociedades evoluíram como a inglesa, a norte americana e outras européias, enquanto algumas pararam primitivamente.
Sir Edward Tylor, ao definir cultura e civilização, considerou de forma absolutista. Para ele sua sociedade continha os valores que deveriam ser considerados como universais, por serem os melhores, normatizando e sustentando dessa forma, que os primitivos atingiriam um dia o padrão de civilização e cultura. Essa atitude desconsiderou totalmente as peculiaridades de cada cultura e classificou os valores europeus como algo fechado, formatado, pronto para impor e apagar a cultura do “outro” no primeiro contato.
A cultura foi o critério que os países autodenominados desenvolvidos utilizaram para delimitar o nível de evolução dos povos desconhecidos. Por isso, por si só, daria conta de compreender tudo como se fosse homogêneo, pasteurizado, unilateral. Depois dessa teoria, excluindo o trabalho de campo e a relativização, a Antropologia de Lewis Morgan calculou as sociedades segundo o seu grau de evolução em: selvagens, bárbaras e civilizadas, se baseado na acumulação do saber e no progresso das faculdades mentais e morais dos homens, bem como, nas profissões, religiões e nas formas de governo. Decerto esses cientistas desconheciam as cidades estados, grandes reinos africanos e sua organização social, política, econômica e social.
O autor frisa que tanto as idéias do século XVI quanto as do século XIX são inadequadas, pois, são etnocêntricas em ver o “outro”, embora a segunda relativize um pouco, por refletir sobre o mesmo, no encontro do “velho” com o “novo mundo”, apesar da complexidade criada a partir do contato e pela desinformação sobre o “outro” em seu objeto de estudo que se relativiza e se complexifica ao mesmo tempo a partir também da autoavaliação da sociedade do “eu”.
A compreensão da antropologia social e cultural e mesmo a da relativização estudaram o “outro”, mas não desmistificaram a idéia de “atraso” dos continentes Africano e Latino Americano nem reconheceram as contribuições culturais e intelectuais destes para a humanidade. Estudos comprovam que antes da colonização européia a governança no continente africano não era bárbara e a escravidão lá existente nunca degradou a humanidade do serviçal.
Segundo o autor o livro foi concebido num esforço de mostrar como paulatinamente o etnocentrismo auto superou-se, porém, não é perceptível na atualidade condições dignas de vida na sociedade do “outro”. Ainda se convive em situação de dependência do capital estrangeiro. O Banco Mundial é um empecilho para este crescimento, fazendo os países pobres contraiam dívidas pagando-as com o que tem mais valioso em seus países e principalmente com sua soberania.
O capitalismo até agora é um impedimento na autêntica evolução da sociedade do “outro”. As multinacionais instaladas nos países pobres, interferem diretamente na manutenção da pobreza formando ideologicamente o complexo de inferioridade, fazendo com que alguns povos se reconheçam inferiores aos “eus” irreconhecendo seus próprios valores acreditando-se incapazes de crescer na diversidade e evoluir de forma heterogênea, assim como suborna seus governantes. Menciono ainda os organismos internacionais (ONU, UNESCO, OMC, UNICEF) no cerceamento do equilíbrio das populações latino americanas e africanas.
Aliado ao relativismo promove a eugenia, biológica tentando convencer o “outro” de sua inferioridade principalmente nas diásporas africanas em se tratando da economia e racismo. A exemplo dos índios que foram exterminados sumariamente.3 E os afrodescendentes que permanecem no Brasil excluídos dos bens sociais. Atualmente vemos a sociedade do “eu” evidenciar a dispensabilidade do “outro” na sua própria gestão governamental afirmando a necessidade da interferência do “eu”, determinando que todos os países devessem ter sistemas democráticos e serem capitalistas. A exemplo da invasão do Iraque, Vietnã; na África implantação da democracia e o embargo a Cuba por ser socialista e ter um sistema autoritário.
Podemos ressaltar as brutalidade contra os líderes africanos pela determinação do “eu” a exemplo de
Mulheres como Kimpa Vita (Congo) que fundou o movimento antoniano (M’Bokolo), Nzinga (Angola) contra o tráfico transatlântico criminoso (Luz) e Sarraounia (Níger) contra os franceses. E em: 1957, Dedan Kimathi (Quênia); 1958, Reubem Um Nyobe (Camarões); 1959, Bathelemey Boganda (Rep. Centro Africana); 1960, Felix-Rolant Moumié (Camaõres)4; 1961, Jean-Pierre Finant (Congo), Joseph Okito, Maurice Mpolo e Patrice Lumumba (Congo Kinshasa)5; 1963, Sylvanus Olympio (Togo); 1965, Mehdi Bem Barka (Marrocos); 1966, Ossende Afana (Camarões); 1968, Pierre Mulele (Congo); 1969, Eduardo Mondlane (Moçambique)6; 1972, Ange Diawara Bidie e Jean-Baptiste Ikoko (Congo Brazzaville); 1973, Outel Bono (Chade)7 e Amílcar Cabral (Guiné-Bissau e Cabo Verde)8; 1974, Onkgopotse Tiro (África do Sul); 1975, Herbert Chiptepo (Zâmbia) e Josiah Kariuki (Quênia); 1976, Murtala Mohamed (Nigéria)9; 1977, Steve Biko (África do Sul)10 e Modibo Keita (Mali)11; 1981, Joe Gqabi (África do Sul); 1982, Ruth First (África do Sul); 1983, Attati Mpakati (Zimbábue); 1986, Samora Machel (Moçambique), 1987, Thoma Sankara (Burkina Faso)12, e Kadafi 2011 (Líbia).

No Brasil os EUA se autoresponsabiliza pela proteção da Floresta Amazônica sob alegação da selvageria e falta de condições dos brasileiros em cuidar do próprio patrimônio que, segundo eles, é um parque mundial sob proteção da ONU 13. Colocando o “outro” num patamar de inferioridade enquanto o “eu” num de superioridade. Logo, o etnocentrismo hoje tem outra roupagem e continua complexamente e sutilmente com seus tentáculos atuando firmemente e com o aval do “outro”
O autor aponta a Inglaterra estando num estagio civilizado enquanto a Austrália parada num estagio primitivo, análise feita sobre a óptica inglesa. Mas, é claro que também são selecionados critérios para manter algumas sociedades em permanente estado de atraso. Porém a ampliação do estudo minucioso da antropologia tendo como objeto o “outro” submete-o. Neste campo vai se desenvolvendo as teorias racistas sustentada biologicamente com o estabelecimento das raças que hoje é desconsiderada, mas, o estigma e o estereótipo da inferioridade das raças permanecem. A imagem de Jesus com o biotipo europeu é o sinal de afirmação da inferioridade das raças, porque na região onde Ele nasceu jamais seria branco com olhos azuis.
Em relação a idéia de velho e novo mundo, qual seria mesmo o “novo” mundo a Europa ou a África onde surgiu a espécie humana, onde a arquitetura, engenharia, medicina e etc. já eram utilizadas com sabedoria? Porque estudamos o Egito, estirpado da África? São questões a serem analisadas e estudadas para ver mesmo até que ponto a antropologia se relativiza.
Vimos então que as sociedades foram moldadas para se manterem dominadas sob os paradigmas do “eu”. Podemos analisar como até nossos dias estudamos, entendemos o outro, somos bombardeados pela mídia a cerca do “eu e do “outro”. A Igreja Universal do Reino de Deus é uma das representantes do “eu”. Vem desempenhando esse papel se utilizando do racismo antinegro e bombardeando as religiões de matriz africana, como se nós devotos permanecêssemos no estado de primitividade e barbárie. Isto publicado sofregamente no seu jornal Folha Universal com tiragem de milhões em cópias. O que penso que deveríamos nos posicionar contrários.

Referências

BARRETO, Rosivalda dos Santos. Patrimônio Cultural, Infância e Identidade no Bairro do Bom Juá: Salvador – Bahia. 2012. 214 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará. 2012.
MOORE, Carlos. A África que Incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte:Nandyala. (Coleção Repensando a África, v. 1), 2008. 217 p
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O Que é Etnocentrismo. Primeiros Movimentos. São Paulo, Brasiliense, 1984.

Bibliografia Eletrônica
http://www.midiaindependente.org/eo/blue/2001/11/11445.shtml

1 Esse texto foi elaborado como trabalho final da disciplina Noções de Etnicidade. Do Curso de Especialização em História Social e Cultura Afro-brasileira. Pela FETRAB – Federação dos Trabalhadores Públicos do Estado da Bahia, ACEB – Associação Classista de Educação da Bahia, sob chancela da Faculdade da Cidade do Salvador, no ano de 2007. O capítulo resumido foi, Primeiros movimentos, p. 23-36. ROCHA, Everardo P. Guimarães. O Que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. Os autores foram: Rosivalda dos Santos Barreto, Dino Cássio Castro Lima, Flávio Luís Assiz dos Santos, leda Alves da Cruz, Maria das Graças Cunha Medina, Nadja de Souza Castro, Paulo Tomé dos Santos. Esse texto foi atualizado para publicação no blog Religiões Afro-brasileiras e Política.


2 O autor trata o eu como os europeus e o outro, os outros povos que seriam subordinados ao sabor da colonização e tráfico criminoso de africanos e escravidão também criminosa de indígenas e africanos.
3 A Missão. Direção de Roland Joffé. Roteiro, Roberto Bolt. Produção Warner Bross, Pictures, Goldcrest Filmas International, Kingsmere Produtions Ltd. Intérpretes, Robert De Niro, Jeremy Irons, Ray McAnally, Aidan Quinn,Cherie Lunghi, Ronald Pickup, Chuck Low, Liam Neeson, Bercelio Moya, Sigifredo Ismare, Asuncion Ontiveros, Alejandrino Moya, Daniel Berrigan, Rolf Gray, Álvaro Guerrero. 1976.125 min.
4 De acordo coma nota de rodapé Moore (2008, p.49) denuncia que esse líder africano, importante téorico pan-africanista, dirigente Da União das Populações deCamarões (UPC). Foi assassiando com o veneno Tálio, em um hotel em Genebra, Suiça, pela “Mão Vermelha”, uma seção do Serviço de Inteligência Francesa (SDECE) que se encarregava, na época, de exterminar os dirigentes nacionais africanos nas colônias francesas.
5 Primeiro-Ministro do Congo, assassinado num complô orquestrado pelos EUA, Bélgica e França Op cit.
6 Presidente da FELIMO (Frente Libertadora de Moçambique), assassinado pelo Serviço de Inteligência de Portugal (PIDE) com uma bomba. Opcit p. 50
7 Dirigente pan-africanista assassinado em Paris com dois tiros no peito pelo Serviço de Inteligência da França (SDECE). Op. cit.
8 Líder da Gunié-Bissau do (Partido pela Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde), assassinado pelo Serviço de Inteligência de Portugal (PIDE) com participação de traidores do movimento. Op cit.
9 Presidente da Nigéria, foi assassinado pelo serviço secreto dos EUA (CIA) e da Grã-Bretanha (MS).
10 Assassinado na detenção pelo regime do Apartheid, foi propulsor da filosofia consciência negra. Op. Cit.p.51
11 Presidente do Mali foi eliminado por emergência de um golpe de Estado promovido pela França. Op. Cit.
12 Primeiro-Ministro, assassinado em sua residência, presume-se que pelo governo francês. Op. cit. Maiores informações a cerca de motivos que levaram ao extermínio de inúmeros líderes africanos, estão disponíveis em: MOORE, Carlos. A África que Incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte:Nandyala. (Coleção Repensando a África, v. 1), 2008. 217 p.
13 Organização das Nações Unidas.

Postaod originalmente do Blog Política e Religiões Aficanas.

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